marcus rogério salgado - a arqueologia do resíduo: os ossos do mundo sob o olhar selvagem


Para-raios. Calha de ser interessante deixar esse bilhete na soleira do livro que se segue, desde que reconhecido, de antemão, o fato de que se oferece menos uma carta de navegação e mais um mapeamento prévio (e executado em traços rápidos) das posições orbitais assumidas pelos elementos que o compõem em torno de seu título-campo: a) que parece possível ainda se cogitartanto uma arqueologia da palavra (pensante ou poética) como uma arqueologia do instante e dos lugares; b) que resíduo e ossos do mundo são da fatura de Flávio de Carvalho, conceitos-chave em seu pensamento, a partir dos quais intenta contínua fratura nos muros do cárcere mental e do cárcere social; c) que olhar selvagem advém da importância que olhar e selvagem assumem nas reflexões de Merleau-Ponty sobre o visível e o invisível, nas de Sergio Lima sobre a ontologia da imagem e nas tentativa realizadas pelos surrealistas para o estabelecimento de uma ponte dialética entre arte e antropologia. Não é por acaso que Breton abre Surréalisme et la peinture com um de seus mais rutilantes aforismos: o olho existe em estado selvagem. Para Sergio Lima, o retorno ao/pelo selvagem é o retorno à pela/Imagem, considerada como forma de acesso ao mundo, cuja atuação se faz por infiltração ontológica, em uma modalidade de saber que se constitui sem mediações conceituais. Nesse ponto, é impossível não nos lembrarmos em Walter Benjamin, quando este detecta no surrealismo um anseio pelo que chama de iluminação profana. Segundo Benjamin, o surrealismo propõe a "superação autêntica e criadora"da iluminação religiosa por um tipo de iluminação que chamará de profana, "de inspiração materialista e antropológica". Coleção Ocultura. Editora Antiqua 2013.